domingo, 5 de outubro de 2008

"Ensaios sobre a cegueira" reforça estereótipos incorretos

Depois de um tempo afastada organizando a vida, retomo as postagens desse blog com uma matéria apresentada no site International Business Time, sobre a polêmica gerada no lançamento do filme Ensaios sobre a Cegueira, baseado na obra de José Saramago. Estou ainda lendo o livro e o filme ainda não tive a oportunidade de ver.
Lendo a matéria fiquei pensando que as raízes do preconceito são tão profundas e tão profundamente imbrincadas na nossa forma de conceber e conceitualizar as coisas e o mundo que é muito comum as pessoas muitas vezes nem se darem conta que as pré concebem segundo uma visão distorcida da realidade com base em inferências e idéias cristalizadas em nosso imaginário. Acredito que isso acontece diariamente e que as pessoas passam a entender essas formas de pensamento como algo naturalmente concebido.
Estereótipos são muito utilizados para definir uma "minoria", uma forma que a "maioria" opressora encontrou de definir quem não se enquadra ou não se normaliza. Assim os estereótipos surgem como resultantes desse processo de criação de identidades sociais demarcando imaginariamente quem está dentro e quem está fora, quem pertence e quem não pertence, quem somos nós e quem são eles.
São bastante comuns por exemplo caracterizações como a de que todo síndrome de down é amoroso, todo surdo é agressivo, toda mulher deve ser boa dona de casa, homem que é homem não chora, gordinho é sempre simpático ou preguiçoso... Tais generalizações representam o senso comum, são idéias prontas que tranformam-se em verdades definitivas compartilhadas por grande parcela da população e que como motivadores de preconceito e discriminação devem ser abolidos.
Segue a matéria:
O longa do brasileiro Fernando Meirelles, "Ensaio sobre a Cegueira" continua a criar polêmica. O presidente da Federação Nacional de Cegos norte-americanos (NFB) Marc Maurer, disse que o filme reforça estereótipos incorretos sobre os portadores de deficiência visual.
Nesse contexto o NFB está a preparar um mega protesto contra o longa do brasileiro, que segundo Maurer, será o maior protesto nos 68 anos de história da NFB. As manifestações terão lugar nas salas de cinema de pelo menos 21 estados norte-americanos e foram marcadas para o dia de estréia do longa - o próximo dia 3.
A ideia dos protestos surgiu depois que sete pessoas ligadas à NFB, três delas invisuais, foram a uma sessão especial em Baltimore, na semana passada. Segundo o porta-voz da Federação, Christopher Danielsen, "todos ficaram ofendidos".
Segundo Marc Maurer, o filme retrata os cegos "como monstros". Para este dirigente associativo esta não é uma alegoria sensata para retratar o colapso da sociedade.
"Nós enfrentamos uma taxa de 70% de desemprego e outros problemas sociais porque as pessoas acham que não podemos fazer nada. E o filme não ajuda a melhorar a situação", frisa o porta-voz da NFB.
Na história, uma epidemia misteriosa provoca a cegueira nos habitantes de uma cidade sem nome, que apenas conseguem distinguir uma névoa. As vítimas são obrigadas a estar de quarentena. A actriz Juliane Moore, que faz de mulher do oftalmologista, é a única a não perder a visão, mas finge estar cega para ficar ao lado do marido.

3 comentários:

Max Martins disse...

Oi, Elisangela!

Concordo com você quando se refere às ideias pré-concebidas sobre determinado estereótipo, mas discordo quanto à matéria em questão.
O autor não quis, em momento algum, passar a imagem de que "todo" cego é uma pessoa incapaz ou má. E, sim, quis propor uma reflexão sobre o comportamento humano numa situação em que está privado de um dos principais sentidos: a visão.
A ideia é que cada leitor ou espectador se pergunte do que seria capaz de fazer se soubesse que ninguém pode vê-lo comentendo infrações. O que faríamos se tivéssemos a certeza da impunidade? O livro descreve cenas em que o ser humano deixa de lado todas as regras da sociedade em prol da sobrevivência. Entre os cegos em quarentena, alguns querem tirar vantagem sobre outros e isso acontece a todo momento em nossa sociedade, cegos ou não. Acho que a NFB está fazendo muito barulho à toa. Seguindo essa linha de raciocínio, quantos protestos haveriam contra livros e filmes onde negros e latinos são bandidos, políticos são corruptos, etc.

Gostei bastante do seu espaço.

Forte abraço

Max Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Elis Zampieri disse...

Oi Max. Grata pela visita e comentário.
Quanto ao post, ele nao retrata a minha opinião acerca da notícia. Como disse, quando escrevi eu nao tinha, ainda, visto o filme. (O post foi escrito logo após o lançamento do filme em 2008).
Enquanto te lia, lembrei de uma cena da novela Viver a Vida em que a personagem Helena, representada por Thais Araujo é humilhada pela ex mulher de seu atual marido. Recordo que na época houve uma manifestação em massa em repúdio à cena, por conta de que se considerava que estava reforçando atitudes preconceituosas e discriminatórias, embora, sendo uma moça negra, tivesse conquistado o papel de protagonista, sendo em praticamente toda a trama valorizada como profissional,como pessoa, enfim... bastou um episódio, pra que toda uma movimentação, inclusive protestos de segmentos do movimento negro organizado acontecessem.
O que quero dizer com isso?
Uma cena que envolvesse uma pessoa branca que tivesse sofrido humilhação semelhante, não teria tomado a mesma proporção e repercutido da forma como repercutiu neste caso. Isso porque pra quem a história reservou séculos de preconceito e silenciamento (e insiro aqui, as pessoas com deficiência) o que se espera da mídia é que explore e mobilize ações em favor destes grupos marginalizados.
Como você, eu acredito, que tanto neste caso como no caso de Ensaios sobre a Cegueira, não houve, de forma alguma, intenção de reforçar estereótipos ou preconceitos, mas tendo em vista tratar-se, como disse, de grupos marginailizados há uma “sede coletiva” e o que todos esperavam é que estas questões servissem de mote para discurtir temas considerados de relevância para a sociedade atual, combater o preconceito, enfim...
Narrativas que envolvem estes grupos podem sim retratar a vida como ela é, mas é preciso um certo cuidado, para não levar ao grande público, imagens que de certa forma possam ser lidas como reforço das situações de marginalidade.
Um grande abraço, e seja bem vindo, sempre.